quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Se o Inferno existe, eu encontrei o portão


O conteúdo a seguir, é a última parte do diário de Ash Sterling, o último de sua linha familiar, e o líder de uma equipe de trinta mineradores, que morreram durante um acidente na mina, resultando no fechamento permanente da mina. Gravado pela sua empregada, que acreditava que ele era louco.
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Na primeira semana da oitava série, meu professor pediu para a classe pesquisar sobre as suas nacionalidades. Reinaldo, ficava uma carteira a minha esquerda, disse que conseguiu encontrar informações sobre a nacionalidade de cem anos atrás, de volta aos seus ancestrais navegando pelo Atlântico, direto da Espanha. John, a minha direita, era metade alemão, e sendo pouco mais que vinte anos depois da Segunda Guerra Mundial, a sua linhagem acabou de forma suspeita no lado de seu pai. Tim era Inglês. Mary, francesa. Chang, chinesa.

Então, após ter conversado com o resto da classe, Sra. Francisco espiou acima da aba de sua prancheta e olhou para mim com um olhar severo,” Venha para frente, é a sua vez de apresentar o seu projeto.” Mesmo depois de uma semana de aula, a Sra. Francisco e eu já tínhamos encontrados algumas diferenças entre nós. Sem dúvida, ela ouviu de mim dos professores do jardim de infância.

Eu sabia que ela esperou para me chamar por último depois de ver o meu projeto, uma cartolina praticamente vazia, salva por quatro fotos preto e branco bem coladas, com um pouco de sujeira. “Esse é o meu pai,” Eu disse apontando para a foto mais embaixo que era colorida. “Aiden da mina.”

“E esse é o pai dele,” Eu apontei para uma foto preto e branco com um homem coçando a barba, que chegava até a cintura. “Vulcan, da mina.

“E esse é o seu pai, Fino, da mina” Eu apontei para uma foto meio fora de foco, do meu grande avô, inclinado em sua picareta.

E esse é o pai dele, Saraph, da mina.” Eu finalizei, apontando para uma pintura do ancestral mais antigo que consegui encontrar. Apesar dos anos, a diferença de idade e os erros do artista, as visitas que iam na minha casa, lembravam com frequência as semelhanças entre eu e ele. Talvez fosse o ângulo do nariz, a forma do queixo, ou a sua face estreita. Mas eu acho que eram os seus olhos, sempre procurando algo, o seu corpo estava enterrado há muito tempo no nosso quintal.

“E eu sou Ash Sterling, da mina.”
“Não, Ash.” Disse a Sra. Francisco, com a sua voz tomando um tom de palestrante que está falando com alguém mais lento que o resto do grupo. “Qual a sua nacionalidade? De que país a sua família veio?”

Sra. Francisco se mudou para cá no ano anterior, e ela não era familiarizada com a cultura da nossa cidade. A minha família era conhecida como uma dos andarilhos da lama, com a linhagem que se estendia até a inauguração da mina. Alguns até fizeram piadas pelas nossas costas, dizendo que nós, andarilhos da lama, éramos tão sujos que viemos de dentro da própria mina. Mas nós estávamos orgulhosos da nossa herança.

“Aqui” eu respondi, “Nós estamos aqui desde o início da mina, ninguém consegue se lembrar de antes disso.”

“Bem, não é como se vocês tivessem aparecido do nada” Disse John, o alemão, rindo na primeira fileira. “Todo mundo vem de algum lugar.”

“Nós estamos aqui desde o começo dessa cidade, e todos vem de algum lugar, não vem John? Até mesmo os nazistas.”

Meu pé já estava na sala do diretor, antes das suas risadas diminuirem, e eu peguei uma cadeira que eu tinha reivindicado como minha perto da porta. Eu estive ali tantas vezes que o assento começou a ficar na forma da minha bunda, e o meu pai não era mais chamado para conversar com o diretor.

Quando meu pai me buscou ele disse “Você fez certo, Ash” Meu pai bateu o cigarro “A mina nos deu tudo o que nós temos, e continuará dando. Como o pai disse, foi feito, você só precisa cavar mais fundo. Nós estamos aqui há mais tempo que qualquer um. Essa é a nossa cidade. E ela não pertence a estranhos”. Ele jogou fora o cigarro, e uma brasa caiu sobre o seu braço, mas o seu rosto continuou o mesmo.

Uma pequena brasa nunca nos fez, os Sterlings, sentir dor.

Isso foi a vinte e cinco anos atrás, e hoje, meu pai tossiu pela última vez a poeira para fora de seus pulmões antes de que ele fosse enterrado seis pés abaixo da terra. E em seu leito de morte, ele me pediu para procurar atrás da pintura de Saraph, sobre a lareira, onde eu encontrei um pequeno caderno de couro. Como em todas as coisas na nossa casa, terra caiu das páginas. Eu trouxe o caderno para a cama dele.

“Ash, nunca se esqueça de quem você é. A mina, a mina é sua por direito. Esse é o diário do avô do meu pai, Saraph. Muitos disseram que ele tinha enlouquecido nessa idade, mas eu acho que ele viu alguma verdade. Cuide disso, pertence a você agora.”

Eu peguei o diário e meu pai se foi deste mundo, um cigarro queimando até o fim ficou em seus lábios. Quando eu tentei o erguer da cama, eu bati em um cinzeiro em seu armário. O cinzeiro caiu no chão, e se quuebrou em incontáveis pedaços.

Apesar de esfregar por horas, eu nunca consegui remover as manchas que marcaram o lugar onde o seu corpo descansou, sobre os lençóis, e os buracos causados pelas brasas que caiam do seu cigarro. As vezes, quando eu passava pelo seu quarto, tarde da noite, eu podia sentir o cheiro de suas baforadas de fumaça.

Eu trabalhava na mina, desde que eu tinha dezessete anos de idade, e lá pelos vinte, eu fui conhecido com um dos melhores homens que já colocou os pés naqueles tuneis. E quando o meu pai se foi, eu tomei o seu lugar como o cabeça de um time de quarenta pessoas, conhecido por explorar mais fundo que os outros em busca de prata.

Toda noite, eu acendia a minha lareira e observava o retrato de Saraph com os mesmos olhos que me encaravam de volta, e então lia o seu diário. As palavras de Saraph não nos levavam a lugar algum, isso pode ter contribuído para as pessoas acharem que ele era louco. Mas eu estava determinado, e me foquei nas passagens que pareciam ser mais importantes.

Da primeira entrada, “Trinta de nós escapamos daquele lugar, a terra se fechou atrás de nós. Nós escapamos como ninguém já conseguiu, mas nós deixamos os tesouros para trás, tesouros muito pesados para carregar. Aqui nós devemos construir nossa cidade.

Da vigésima quarta entrada. “As pedras mais brilhantes, são encontradas mais no fundo”. Isso nós sabemos. Isso nós descobrimos e vimos com nossos próprios olhos. “E nós devemos pegá-las.”

Da trigésima nona entrada “A prata da mina, conecta com a prata em nós. A pura, pertence a nós”.

Da quadragésima sétima entrada “Os tuneis entraram em colapso durante a noite junto com a minha esperança. Eles nos selaram aqui.”

Da última entrada “Nós falhamos. Logo a idade irá me alcançar. Alias, estou recuperado”

E, com o passar dos anos, eu dirigi meu time mais fundo na mina. Eu tinha sonhos que encheram minha mente durante a noite. Sonhos com a prata abaixo de nós , que se estendia mais longe do que eu jamais poderia alcançar, para o núcleo da Terra que queimou mais quente do que eu poderia mesmo estar.

Eu tinha explorado todas as regiões mais profundas da mina, mas não conseguia encontrar mais prata. Todas as regiões, exceto uma.

"Hoje nós investigamos os túneis mais simples", eu disse, olhando para a minha equipe. A maioria dos membros tinham famílias que eram da cidade assim como nós, embora houvesse alguns de forasteiros que só tinha sido na equipe para uma ou duas gerações. Na minha declaração, um deles falou, sua voz se desintegrando como lixo fresco.

"Os túneis simples? Aqueles propensos a entrar em colapso, pois não tem pedra suficiente para mantê-los? ".

"São aqueles. A última vez que eles foram tocados foi cem anos atrás, durante a abertura da mina. A tecnologia avançou desde então, e podemos alcançar o que nossos pais não podiam. "

"É muito perigoso, mesmo agora." Ele disse, e as outras pessoas de fora murmuraram ao seu redor em acordo.

“Nós vamos tentar. Quer você venha ou não.”

Cinco dos forasteiros deixaram a nossa equipe naquele dia, e nossos números caíram para trinta e cinco. Nós começamos a entrar nos túneis mais simples.

O progresso foi rápido, uma vez que algumas das pedras já estavam quebradas e já haviam tuneis que haviam sido abertos antes. Quando cavamos mais afundo, nós encontramos ossos nas pedras, capacetes de mineração e até ferramentas.

Nas paredes duras eu podia ver onde picaretas já havia furado as pedras, até mesmo aquelas que a pedra endureceu novamente. Mas, em seguida, as cinco semanas de escavação, que deu em pedras simples novamente.

Nessas paredes eu podia ver as marcas de escavação utensílios ao contrário do que eu já tinha visto.

Pareciam cinco pontas ancinhos, e me levou um dia para perceber que eles combinavam com os contornos de minhas próprias unhas. Pareceu como se eles cavaram para cima, não para baixo. Em seguida, encontramos mais ossos, embora estes não foram acompanhados por nenhum equipamento de mineração. As suas extremidades se queimaram.

O dissenso cresceu entre as pessoas de fora, e mais dois saíram.

"Eu não gosto disso", disse um dos três restantes, "Como estes ossos chegaram aqui? Não há ninguém que foi tão profundo. Talvez caiu em um terremoto? "

"Eu não sei", disse o outro, com a sua luz falhando levemente, "Talvez eles não são humanos. Talvez algo mais vive aqui embaixo. Alguma outra criatura. "

O terceiro sussurrou, com uma voz que ecoou nas paredes da caverna e causou arrepios até mesmo nos meus melhores homens.

“Talvez nós devêssemos parar de cavar. Talvez nós não devêssemos cavar tão fundo.”

Em seguida, as escritas nas paredes começaram, e embora eu tranquei as portas a cada noite, eu sabia que uma das pessoas de fora que desistiu, se esgueirou para dentro dos túneis após o escurecer para tentar nos assustar. O primeiro apareceu, escrito em carvão vegetal, no máximo, escrito há poucas horas. “Volte para a a terra firme, porque dela foste tomado; pois tu és pó e em pó te tornarás”. E o primeiro dos três últimos forasteiros saiu, amaldiçoando o seu caminho até os túneis e de volta à luz do dia. Éramos trinta e dois.

Mais uma semana se passou, e eu me vi suar muito com o calor que das poças formadas nas minhas botas. Em seguida, a segunda mensagem parecia esculpida na parede. “Punição para os filhos para o pecado dos pais até a terceira e quarta geração.”

"É o Exôdus", murmurou o segundo dos forasteiros, antes de também partir. Éramos trinta e um.

Em seguida, a última mensagem apareceu na escrita de prata. “Ganância trouxe você até aqui, e a ganância irá trazer de volta.”

O último forasteiro partiu, e nós éramos trinta.

Mas, mesmo com o ar mais fino, os túneis mais quentes, e o ardor da terra, mandei meus homens para cavar mais fundo. Hoje nós atingimos ferro, e nós cavamos sobre ele, revelando um arco embutido na rocha. Não havia escrito sobre ele, e eu não posso ter certeza de que era algo feito por um humano, mas eu nunca vi algo tão bem formados na natureza. Amanhã vamos minerar através do arco, vamos encontrar prata. Eu sinto isso em meus ossos.


Bons Pesadelos...