terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

House of disturbia


Enviada por @Sr_Capeton


"Era domingo, e tedioso como de costume.Eu estava sozinho em casa, meus pais haviam viajado, o que era bom, pois adoro ficar sozinho.As horas estavam demorando a passar, o tédio estava me matando, não estava nos meus planos sair, afinal me mudei a poucos dias para esta cidade, a qual era pequena, quase inóspita e não parecia haver muita coisa pra se fazer, me restava ficar em casa e arranjar algo para me distrair.Para piorar a situação, eu ainda estava sem energia elétrica, devido a uma pequena tempestade que ocorreu na noite passada, a qual arrebentou alguns fios de energia, sem televisão ou rádio, não havia muitas opções do que fazer.Resolvi então perambular pela casa a fim de arranjar algo para me entreter, pois a sensação de vazio que o ócio estava a me causar era quase torturante.

Meus pais estavam passando por dificuldades econômicas, a mudança se fez necessária, uma vez que a venda da minha antiga casa ajudaria a quitar algumas dívidas, e a vida numa cidade mais simples é mais barata.A casa, de madeira, era consideravelmente grande, mas não em excelente estado, o assoalho rangia a cada passo dado, a fiação era antiga, a tubulação em cômodos próximos aos banheiros faziam um barulho incômodo e as paredes eram repletas de marcas estranhas, as quais pareciam arranhões, talvez o antigo dono tivesse muitos gatos.Esses motivos talvez expliquem o porque de meus pais terem comprado a casa do Sr. Lucius,um velho mal encarado, por tão pouco.O entardecer aliado aos problemas estruturais da casa, a falta de luz e o vazio dos aposentos davam uma sensação sombria e de abandono a cada cômodo que eu adentrava.

Foi então que um deles me chamou a atenção, o ambiente deste quarto era totalmente macabro, o ranger do assoalho aqui era diferente,soavam como gritos de agonia, os arranhões nas paredes claramente não eram de gatos, e o mofo presente nelas exalava um odor intenso, o qual se misturava com o que me parecia ser cheiro de enxofre, era putrefe,terrível.Mas o mais perturbador era um crucifixo pregado de cabeça pra baixo em uma das paredes.Ao lado oposto a esta havia uma curiosa fresta, a qual me deixou intrigado, aproximei-me dela e tentei observar se havia algo ali, mas estava muito escuro, então corri na cozinha e busquei alguns fósforos e voltei.Acendi alguns na tentativa de iluminar a fresta, avistei o que parecia ser uma pequena caixa.Minha curiosidade no momento foi tamanha que não hesitei em colocar meu braço por entre a fenda, agarrei a caixa, mas meu braço havia ficado preso, tentava a todo custo solta-lo, foi então que senti algo tocá-lo dentro da fresta.O desespero havia tomado conta de mim, e o que quer que esteja tocando meu braço estava percorrendo-o.

E em meio a tamanho desespero, após alguns minutos consegui retirar meu braço da greta, e havia apanhado a caixa que lá estava, e que surpresa a minha, o que tinha tocado o meu braço era apenas uma pequena aranha.Restava saber o que havia dentro da caixa, a qual era talhada com estranhos símbolos, e estava trancada com um pequeno cadeado já enferrujado.Um martelo provavelmente resolveria isto.O problema é que nós não tínhamos um martelo, pensei no que poderia usar para quebrar aquele cadeado, pode parecer estranho,mas foi então que aquele crucifixo de ferro me veio a cabeça, talvez ele servisse.Me virei para apanhá-lo, e fiquei chocado ao perceber que o crucifixo já não mais estava de cabeça para baixo.Eu não havia se quer chegado próximo dele antes, e não havia explicação lógica para que ele tivesse mudado de posição.Eu tinha certeza que ele não estava assim antes.

Uma súbita sensação de estar sendo observado surgiu em mim, mas a casa estava toda trancada, não há como alguém ter entrado.Eu não tinha ouvido passos, os quais nessa casa são facilmente audíveis devido ao assoalho barulhento, passei a acreditar então que essas eram coisas apenas da minha cabeça e que a posição do crucifixo antes tinha sido apenas uma impressão por ter o olhado de relance. Agarrei então o crucifixo e comecei a martelar o cadeado, o qual resistia aos golpes, passei então a usar mais força, estranhamente o cadeado se mantinha intacto apesar da sua aparência frágil pelo desgaste da ferrugem.Eu estava tão obstinado a ver o que havia dentro da caixa que a força que estava usando para tentar quebrar o cadeado foi tamanha que uma das pontas daquele crucifixo de ferro se distorceu.Em um golpe seguinte minha mão acabou escorregando e acertei a parte distorcida pontiaguda em cheio, o que resultou em um corte profundo, em poucos segundos ele estava coberto por sangue.Mas o cadeado enfim havia cedido, a caixa estava finalmente aberta.

Minha mão gotejava sangue, e aquele cheiro férrico se misturava ao odor putrefe daquele quarto, criando uma mistura ainda mais nauseante.Eu tinha que sair dali já, agarrei a caixa e saí do quarto deixando um rastro de sangue.No corredor ao passar por um quadro na parede tive a impressão de que os olhos daquele senhor enigmático de afeição séria ali retratado, tinham me acompanhado, dei meia volta e fui observar bem o quadro.Ao olhá-lo novamente percebi que os olhos estavam recortados e que ali haviam dois buracos na parede.Um pavor tomou conta de mim no momento, a sensação de estar sendo observado voltou e dessa vez eu tinha certeza que alguém estava a espreita.

O que havia na caixa no momento era o que menos me preocupava, eu tinha que me manter seguro, foi então que pensei em pegar uma faca na cozinha, corri para lá.Ao chegar lá me deparei com algo assustador, a pia estava transbordando de sangue, tingindo todo o chão com aquele vermelho vívido.Não havia uma sequer faca na cozinha, apenas sangue, por toda parte.Minhas mãos estavam tão tremulas que eu mal conseguia segurar a caixa direito.Minha última alternativa era me trancar em algum quarto a fim de me manter à salvo desta loucura toda.O grande problema é que as portas dos quartos não tinham sequer trancas ou trincos.

O único lugar que eu poderia me trancar era o banheiro, fui para lá.Tranquei-me, e pude respirar tranquilo, lavei meu corte na mão, rasguei uma parte da camisa e tentei enfaixá-la.Sentei no chão e tentei entender tudo o que estava acontecendo na casa, mas era tudo surreal demais para ser explicado.O silêncio havia sido quebrado por gritos que vinham de fora, gritos pavorosos,meus momentos de calmaria acabaram, e o pavor voltou a tomar conta de mim, eu tentava tapar meus ouvidos mas os gritos eram ensurdecedores.E então eles pararam, e foram sucedidos por um arranhar na porta que se intensificava a cada segundo, eu estava tremulo, sem saber o que fazer.

De repente o barulho cessou e o silêncio voltou a reinar.Já estava anoitecendo, o breu tomou conta do banheiro, estava eu ali, em meio ao escuro total, eu mal conseguia ver um palmo a minha frente, e só tinha uma caixa de fósforos no bolso, e a pequena caixa misteriosa em minhas mãos.Resolvi enfim ver o que havia dentro da maldita caixa, peguei os fósforos do meu bolso, e acendi um para que pudesse ver o que ali havia.

Era um terço de madeira, eu era um cético,mas a frase que estava talhada no fundo da caixa abalou a minha descrença, “Si intrare in tenebris, vos habet assuefacti tenebrarum ”.Era latim, eu sabia disso por meus pais terem me obrigado a estudar a língua a anos atrás, eles tinham a ideia fixa de que eu tinha que ser padre, apesar de eu detestar a ideia eles insistiram com isso por um bom tempo.A frase dizia “Se entrar no escuro, você tem que se acostumar com a escuridão”, eu senti que aquilo de alguma forma tinha relação com o que estava acontecendo. Foi então que ouvi algo, era um arranhar, dessa vez não vinha da porta, vinha do basculante.Aproximei-me e acendi um fósforo para iluminar, o basculante estava entreaberto, ao erguer a mão com o fósforo o que vi foram olhos a minha espreita, que brilhavam ao olhar aquela chama.Eram olhos assombrosos, negros, sedentos, certamente não eram humanos.O que estava ali me observava compenetrado, e agora que estava próximo eu podia ouvir sua respiração, ofegante e bestial.E então o que quer que aquilo seja ergueu suas mãos por dentre aquela janela na tentativa de agarrar-me, tomei tamanho susto que me joguei no chão.Meu corpo tremia por inteiro, meus braços e pernas mal se mexiam, eu estava totalmente desesperado.

Suas garras arranhavam o azulejo do banheiro, então aquilo de alguma forma parecia estar conseguindo adentrar o banheiro por entre o basculante, ele se retorcia por completo, aquilo era tão assustador quanto a sua forma.Ainda meio paralisado me arrastei para a porta e a destranquei.Quando coloco o pé pra fora percebo que meu corredor não parecia ser mais o mesmo de antes, ele estava por completo com aspecto viscoso, ao iluminar com um dos poucos fósforos que me restavam percebi que o corredor estava todo pintado de sangue, do chão ao teto, gotejava sangue.Era uma visão infernal, muito perturbadora.Mas eu tinha que fugir daquilo que estava vindo atrás de mim, eu tinha que passar por ali, era um caminho inevitável.Todo aquele sangue mexeu comigo, me deixou atordoado, minha visão ficou turva e minha cabeça parecia estar girando, de repente tudo ficou escuro e eu fui ao chão, desmaiei.

Acordei e a luz do sol ofuscou meus olhos, havia amanhecido, ao menos agora eu não estava no escuro, mas isso não significa que as coisas tenham melhorado.Para minha surpresa não estava no corredor onde havia desmaiado, acordei em um dos quartos da casa.Por um momento achei que tudo aquilo não havia passado de um pesadelo, porém ao olhar em volta do quarto logo percebi que as coisas continuavam erradas.O quarto em que eu estava era um quarto de menina, o que achei estranho pelo fato de eu não ter irmã, ele era cercado por bonecas antigas, algumas das muitas delas com afeições não muito amigáveis, de olhos completamente negros, pareciam me observar friamente.

Então uma das bonecas caiu da prateleira, e começou a falar, o impacto da queda certamente foi o ativou o dispositivo, mas o que ela disse me assustou, não era uma frase que uma boneca diria.Com sua voz infantil ela disse “Papai e mamãe, eles não vão voltar…eles morreram” seguido de uma risada, e não disse mais nada.Aquilo me deixou angustiado, então me levantei e saí do quarto indo em direção ao quarto dos meus pais.Ao chegar na porta do quarto deles senti um cheiro terrível, cheirava a podre, a carniça.Aquilo não era um bom sinal, de fato não era.

Ao abrir a porta avistei dois cadáveres encima da cama, já em estado de decomposição, as larvas e o que mais que aqueles vermes sejam saíam de suas bocas e narizes e devoravam seus rostos e olhos, eram tantos que quase dava pra ouvir o barulho deles rastejando e devorando seus corpos.Fiquei com enjoo ao ver aquela cena, mas o enjoo não chegava nem perto do sentimento que tive ao pensar que aqueles corpos poderiam ser dos meus pais, mas pelo estado de decomposição não era possível reconhecer.Me recusei a acreditar que aqueles fossem meus pais, não podiam ser eles, eles estavam viajando, ao mesmo uma parte de mim acreditava.Se não fossem eles eu não sei quem poderia ser, afinal não havia mais ninguém morando na casa conosco.

Eu me encontrava desolado, nenhum sentimento até agora se igualava à aquele.Fui para a sala, não podia ver mais aquela cena, mas o pensamento fixo que talvez fossem meus pais mortos ali não saía da cabeça.Sempre fui um tanto quanto frio, e até meio incapaz de demonstrar meus sentimentos mas naquele momento eu não pude conter as lágrimas.Meu choro foi interrompido por uma batida na porta, fui ver quem era, ao abrir tomei um grande susto, quem estava ali na porta eram os dois cadáveres que estavam no quarto dos meus pais antes, em pé e falavam como se fossem de fato meus pais, tentei fechar a porta mas eles conseguiram entrar antes que eu pensasse em bater a porta.

Eles perguntavam o que havia de errado, eu dizia, mostrava o reflexo deles no espelho, e também contava o que havia de errado por toda a casa.Eles diziam não ver o que eu via, para eles nada estava fora do normal.Eles se aproximavam e a aparência decomposta de seus corpos me dava repulsa, a cada passo que eles davam pra se aproximar eu me afastava, corri pela casa fugindo deles.Foi então que ouvi eles dizerem que eu devia estar ficando louco, eu não estou louco, eu sei o que vi, e tudo parecia ser muito real para mim.Após alguns minutos dois homens de branco apareceram, eu não fazia ideia de quem eram eles, eles vieram em direção ao quarto onde eu estava, a porta dos quartos não tinha trinco então eu fazia força para mantê-la fechada, mas eles conseguiram abrir a porta e me imobilizaram, eu relutava e perguntava o porque daquilo, foi então que um deles com uma seringa me dopou.Acordei nesse maldito lugar, onde fico confinado nesse quarto onde eu preferia estar morto do que ter que ver o que eu vejo todo dia confinado junto a mim.Vozes ecoam a todo minuto, as vezes soam como gritos de desespero, vejo coisas que não sei nem como descrevê-las, coisas essas tão terríveis que não entendo como podem ser reais.”

Este é um relato de um jovem de 18 anos que foi internado no Sanatório Hazelwood, após ser encontrado pelos pais ao chegarem de viagem, em um profundo estado psicótico.O paciente em questão apresentava sérios delírios, não havendo nenhum sinal de lucidez durante todo o período em que passou internado, em tratamento.Em seus delírios ele aparentemente ainda se via sendo atormentado por estranhos acontecimentos ao seu redor.O paciente foi diagnosticado com distimia acompanhada de síndrome do pânico em um estado crítico.Além disso descobriu-se que o paciente sofre de esquizofrenia, fato que seus pais não tinham conhecimento.O que acontece é que alguns casos de esquizofrenia só são diagnosticados tardiamente, como a do subtipo paranóide, que é o caso dele, onde o paciente apresenta uma infância relativamente normal, e a esquizofrenia só se manifesta anos mais tarde, com predominância de delírios e alucinações.

Seus pais relataram que antes de partirem de viagem o jovem estava bem, apresentando apenas um pouco de desânimo, então não viram mal algum em deixá-lo sozinho por uns dias, porém o fato dele ter ficado solitário na residência provavelmente foi o que incitou o caso.Durante o período internado, em uma das noites o paciente em questão cortou a si próprio e com seu sangue escreveu os seguintes dizeres na parede “A escuridão é algo terrível demais para se acostumar”.Em seguida suicidou-se utilizando de um terço de madeira para estrangular-se.